quarta-feira, 8 de abril de 2009

Ricardo memórias Vivemos algumas experiências no decorrer da vida que não damos conta da sua importância naquele momento. Passado muito tempo é que tomamos consciência do seu valor na nossa vida. Ficam ali gravadas por um longo tempo e de repente precisamos dela, basta uma fagulha de memória para o rastilho tudo restaurar em alta fidelidade. Como nestes últimos meses estou pesquisando algumas ferrovias, percebi que não era apenas uma missão historiográfica, estava sendo um enorme prazer pô-la em prática. Acho até porque ferrovia sempre esteve presente em minha vida. E o estudo da história e da geografia era uma terceira opção se não pudesse estudar arqueologia ou oceanografia. A minha primeira experiência com o trem foi no colo dos meus pais, em nossas viagens de férias para a terra deles. Fui crescendo e passei a viajar sentado no banco ao lado da minha irmã. Pelo menos uma vez por ano viajávamos para Macaé e Carapebus. Eu sempre ia mais vezes. As idas e vindas alternavam-se, dia ou noite. A noite nada se via e o trem andava cheio, até sair do Estado da Guanabara e entrar no Estado do Rio de Janeiro, nestas alturas já estava nos braços de Morfeu. Saía as 24 h. e chegava às 5horas. Muitas vezes ia de Litorina, um carro todo de aço da cor do níquel bonito, sofisticado e luxuoso, que é a automotriz. A minha avó Iná só gostava de andar nele. Grandes poltronas vermelhas acolchoadas. Parava em poucas estações. Eram apenas dois carros ou vagões e a viagem era mais rápida. Bom mesmo era o Expresso, uma composição mista de passageiro e carga, puxado do por uma locomotiva diesel. Parava em todas as estações. Saía as 05: e chegava às 12 horas. As janelas dos vagões eram simples e mais singelas. Tinha bancos de madeira na segunda classe e poltronas acolchoadas na primeira. Nele podíamos andar pelo vagão como um adulto, passávamos até de um para outro. Nas paradas comprávamos um monte de coisas gostosas. O contato com aquelas pessoas era mágico. Quando a Ponte Rio Niterói foi inaugurada, papai comprou um carro e tudo ficou para trás, para nós e para muita gente. A estação de Carapebus fica entre a Igreja da matriz e o armazém da Usina. Era pequena e com o pé direito extremamente alto, isto é, mais alto do que o de costume., arquitetura eclética. A de Barão de Mauá é neoclássica, predominando elementos palladianos, com traços ingleses e romanos. O detalhe do triângulo com suas inscrições, também são achados em vários prédios da época. No seu interior era uma verdadeira galeria de arquitetura, pintura e escultura. Suas enormes colunas, nos transportam a um templo de Deuses mitológicos. Dava vontade de parar bem no centro, olhar para cima e apreciar a sutileza da estrutura metálica que protege a cobertura. Como se fosse possível ficar ali olhando toda aquela beleza, diante dos encontrões daquela massa humana a circular com bagagens e todo o tipo de cargas Tudo, impressionava, principalmente a grandiosidade da Estação de Barão de Mauá. Os funcionários da Leopoldina uniformizados, de quepes e guarda pós, orientavam os recém chegados, com ar de importância e orgulhosos de seu papel. O condutor, com uma chave cromada, furava os tiques de passagem dos que estavam embarcados. A entrada do prédio principal tem uma fachada monumental, de estilo arquitetônico empilhadas nos carrinhos apropriados para o serviço. Ao atravessar o imenso Saguão, dois mil metros quadrados, bancos de excelente desenho anatômico de pinho de riga, todo isso iluminado por centenas de lâmpadas. Hoje é só um salão vazio. Em Morrinhos, na propriedade dos meus avós, tudo era sem pressa ,os dias calmos e divertidos, perdia-se a noção tempo, despertados apenas pelo apito do trem, na Estação de Itaquira, à alguns quilômetros dali, que funcionava como um relógio para nós. Mais perto ainda ficava a ponta do Ramal Agrícola da Usina de Quissamã, chado de Picadeiro, que vinha buscar cana nas fazendas da região. Este Ramal tinha três pontas Uma na Usina outra na estação de Conde de Araruama que pertencia a Leopoldina. Lá tinha uma rotunda com várias chaves. Do lado oposto partia outro ramal, esse muito maior, ia até Santa Maria Madalena. Entre a Usina e a Estação de Conde, tinha uma chave onde saía a linha da terceira ponta, com destino a Morrinhos, passava por várias propriedades rurais até que chegava quase na porta da cozinha do vovô Neco meu bisado. O lugar era chamado de Picadeiro. O carro de boi levava a cana da lavoura até lá, onde a cana era picada e embarcada, só não tinha estação. Uma lastimável pena! Ali as velhas locomotivas deixavam os vagões prancha para serem embarcados. Era um bom lugar para se brincar. Os primos não sabiam do perigo que passavam. Num certo dia a molecada toda, uns seis, subindo e descendo dos vagões, já abarrotados de cana, levaram um grande susto. Estava apenas eu, detraído debaixo do vagão admirando aquelas ferragens que prendiam as rodas, enquanto os outros estavam em cima dos vagões. Era um momento tão mágico que até podíamos ouvir ao fundo a valsa de Vila Lobos “O Trenzinho Caipira” com letra de puxadores em metal e bronze, grandes cinzeiros com detalhes em dourado espalhados por todo o centro do grande salão de aproximadamente 20 vagões mordendo os pedaços de cana, quando um grande solavanco se deu. A locomotiva chegou sem que percebêssemos e engatou no primeiro vagão. A pancada do engate fez com que a composição afastasse uns trinta centímetros. Foi um grande susto para todos, quem estava em cima pulou. Eu que estava em baixo levantei. E obvio,dei uma cabeçada no assoalho do vagão, em reflexo a enorme dor, ainda olhei para cima e vi que foi o impacto justamente na cabeça de um enorme parafuso. A minha sorte, aliás a de todos nós, é que ninguém estava colado a uma das rodas , que estávamos no último vagão e nenhum adulto percebeu a nossa presença. Logo saí de baixo, mal me pus ereto e a composição partiu. Foi aí que começou a doer, pude sentir o sangue escorrendo pelo pescoço ao ver o trem partindo. Não me lembro qual mentirinha inventei para minha avó Nati, também ela já estava acostumada com minhas estropiações. Na adolescência, morando no Rio de janeiro, nossa casa ficava no bairro Riachuelo, era próxima a Estação. Eu estudava no Méier e minha mãe me dava o dinheiro para a passagem do ônibus. Na ida ,eu ia no 627, na volta vinha de trem e guardava a diferença da passagem. Eu andava muito de trem, com a molecada do Edifício Evelim, quando não tinha nada para fazer me acompanhavam em longos passeios pelo subúrbio. Gostava de ir até Japeri ou Campo Grande no 13 que era parador voltava no 15 que era o direto, esse parava em poucas estações. Após tantos anos sem andar de trem, decidi colocar em meu plano de aula da oitava série, uma visita ao Museu do Trem em Juiz de Fora. Por coincidência chegamos próximos ao horário da saída do Trem Xangai que fazia o trajeto Juiz de Fora a Matias Barbosa.. Como o tempo era suficiente para irmos e voltarmos embarcamos. Foi justamente no ano que o trem parou de funcionar. Foi uma das ultimas viagens.


O Trem na minha vida.
 Ser professor não é fácil, principalmente quando poucos querem ouvir alguma coisa. Uma coisa que me fez não desistir dessa profissão, assim como já desisti de outras no passado foi a pesquisa e o ato de escrever. Quanto mais descubro novidades e compartilho com outras pessoas mais forma consigo para suportar o desinteresse. Atualmente tenho me dedicado a pesquisa de Estradas de rodagem e caminhos de ferro. Também rios e canais. O texto abaixo é um pouco das minhas lembranças que influenciaram na escolha das minhas pesquisas.